A viuvez da alma

A vida de fato me surpreende a cada dia, e claro, sou grata por cada bela surpresa que ela me apresenta...

Foi num almoço de domingo, numa conversa despretensiosa com o amigo de um dos meus quatro irmãos, (sim eu tenho quatro, e todos homens, conseguem imaginar a cena?); supostamente menos experiente que eu, visto que sou mais velha que ele, (somos tão estúpidos quando comparamos idade com maturidade), que fui abatida por um questionamento simples de uma forma que até aquele dia ninguém nunca havia me nunca havia me arguido de forma tão direta e ao mesmo tempo tão simples.   Falávamos sobre a viuvez; ele questionava minhas emoções, meus sentimentos, “como era ser/estar viúva” e eu tranquilamente respondia, (meu estado civil não me causa nenhum tipo de constrangimento, apesar dos comentários de compaixão dos quais muitas vezes fui vítima; “ coitada, tão jovem e já viúva” e dos olhares de “piedade” que sempre despertei em muitos).   Até que do nada: “você vai casar novamente né?” O questionamento parecia muito mais uma afirmação, quase que como se não houvesse nenhuma possibilidade de negativa da minha parte.  Até aquele momento ninguém havia sido tão contundente sobre este assunto e comecei a rir e calmamente respondi que não, que não havia interesse algum de minha parte em “casar” novamente, não no formato que nossa sociedade estabelecia.  O rosto dele ficou triste, de verdade, e muito sentido com minha resposta, olhou para mim: “sério? Mas por que não? Por que não? E o que você vai fazer com tudo isso que carrega dentro de você, com suas emoções, vai “emburrecer” suas emoções, vai jogar tudo fora, vai jogar todas as suas possibilidades fora; você não pode fazer isso, não pode”. Bem, o restante da conversa de fato não me compete relatar, afinal, aquele se tornou um momento de catarse para ambos e assim deve ficar.

Eu conheço muitos casos de viuvez precoce, alguns muito próximos a mim, em alguns deles, os parceiros, sabedores de sua condição de moribundos, pediram, fizeram com que seus cônjuges jurassem que restabeleceriam suas vidas, que viveriam uma nova vida, que criariam novos laços, e fariam de tudo para serem felizes, pois, vivos permaneceriam. Mórbido? Pode ser, mas o que é a viuvez senão a perda real, concreta, daquela relação que um dia foi escolhida para ser eterna “até que a morte os separe?”  Pois bem; separado foi, apartado, finalizado, acabou... um corpo partiu e outro fez-se viúvo... o espírito daquele que aqui permanece, durante muito tempo também se mantém em luto, digo também, porque a alma neste momento une-se ao corpo e ambos se mantêm em luto; mas seria justo fazer da alma uma eterna uma viúva? Seria justo fazer do coração um viúvo, quando ele ainda teria tanto a compartilhar, a doar, a cuidar, a acolher? Seria justo tornarmo-nos sombras de nossos amores já partidos? Seria justo carregar, além do doloroso título da viuvez, o estigma de uma alma abandonada a própria sorte?  Se pudéssemos em nossas juras de amor, em nossos votos secretos compartilhados com nossos amores, se tivéssemos condições, será que em são consciência não pediríamos que nossos amores amassem por todo o sempre? Será que nossos amores partidos, se pudessem, antes da partida, não nos teriam pedido que amassemos até que nós mesmos partíssemos?

Afinal, não é o Amor, libertador, curador, salvador? Não é o Amor o mais sublime, puro e completo de todos os sentimentos vivenciados pelo ser humano?

Ainda que na minha certidão de casamento meu estado civil seja o de viúva, na declaração de minh ‘alma não o serei.  Ainda que um status civil para muitos defina seu destino, meu caminho só eu sei e desenho, e nada me atará; porque nasci do Amor, nele me mirei, me abasteci, me criei, muito amei, e assim continuarei, até que a vida assim deseje...